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Dona Diva conseguiu realizar seu sonho de estudar enfermagem (Carlos Manzato)

Aos 58 anos, dona Diva Manzato está no quarto ano do curso de enfermagem. Quando jovem, o ensino superior sempre foi um sonho, mas as circunstâncias, dificuldades financeiras e o tempo foram um grande empecilho. No entanto, em 2022, com a expansão do Ensino a Distância (EAD) devido à pandemia da Covid-19, Diva viu que seu ‘sonho poderia se tornar realidade’, nas palavras da, agora, estudante. 202t5l

A história de dona Diva não é incomum quando se trata de educação. Segundo dados do Censo da Educação Superior 2023, até 2010 cerca de 2,190 milhões de pessoas no Brasil tinham ingressado em um curso superior. Deste número, 82% eram estudantes da modalidade presencial. Essa maioria se perpetuou por dez anos, até que, em 2020, durante a pandemia, o EAD se tornou a modalidade com mais estudantes novos. Em 2024, 4,944 milhões de pessoas ingressaram em um curso superior. 3,314 milhões entraram para o EAD.

Segundo a professora Helenice Jamur, gestora do Departamento de Permanência e Atendimento Acadêmico do Centro Universitário Internacional (Uninter), foi na pandemia que o preconceito com o ensino a distância diminuiu – embora não totalmente. Como todas as faculdades e universidades tiveram que aderir o ensino remoto, as pessoas começaram a perceber que estudar fora da sala de aula era possível – desde que o ensino fosse adaptado.

“O presencial foi tentar fazer uma aproximação com a EAD, porque ele tinha que dar conta das aulas. Mas EAD não é uma coisa que você simplesmente conecta uma câmera e faz a aula. E a EAD tem um método para isso, ela requer uma metodologia específica, com material didático adaptado e estruturado para essa modalidade, conforme as diretrizes do Ministério da Educação (MEC). A pandemia ajudou a desmistificar a EAD, mostrando que é a metodologia, e não a modalidade, que faz a diferença no aprendizado”, explica Jamur.

Para dona Diva, que mora em Sete Saltos de Cima, zona rural entre Campo Largo, na Região Metropolitana de Curitiba, e Ponta Grossa, o ensino a distância abriu a possibilidade de não ter que viajar por quase 2h todos os dias. Agora, Diva vai pelo menos uma vez por semana ao polo de sua faculdade, no Centro de Curitiba, para ter aulas práticas – principalmente por seu curso ser na área da saúde.

Além disso, o custo foi um grande fator também. Segundo um levantamento do Instituto Semesp, o valor médio de um curso EAD é de R$348 mensais. Em contrapartida, os cursos presenciais custam, em média, R$1.132 por mês –  três vezes o valor da EAD e 78% do valor estabelecido para um salário mínimo em 2025, que é R$1.518.

“Sempre tive vontade de fazer um curso na área da saúde, mas nunca tive a oportunidade, porque era difícil a ibilidade. O custo é muito alto, a flexibilidade de horário também é difícil, porque sempre tive que trabalhar muito. O EAD permite que eu concilie os meus estudos com as minhas responsabilidades familiares e com o trabalho”, contou a estudante de enfermagem.

Para o futuro, dona Diva conta que não pretende se aposentar tão cedo, ainda quer exercer sua profissão e continuar estudando.”Meu principal objetivo é terminar a minha faculdade hoje, que são cinco anos, me especializar em uma área de saúde que eu me identifique e trabalhe por alguns anos ainda até me aposentar. Não pretendo me aposentar tão cedo, pretendo ainda trabalhar muitos anos depois que eu me formar.”

O sonho adiado, agora realizado 6166c

Sandra Barros se divide entre múltiplas atividades: cabeleireira, empreendedora de brechó e artesã de pequenos materiais personalizados. Além de tudo isso, Sandra também é mãe e a inspiração para estudar veio justamente do seu filho. Recentemente, ela decidiu investir em um novo caminho e ingressou no curso de Design Gráfico pelo EAD na Uninter.

“Desde jovem eu queria fazer faculdade, mas sempre fui adiando por conta das dificuldades da vida. Casei, tive filhos, trabalhei anos como cabeleireira… até que meu filho, inspirado por seu sucesso no Enem, me incentivou a buscar o ensino superior. Com 45 anos, enfrentei o Enem novamente e entrei com uma bolsa pelo ProUni”, relembra. 

O EAD foi a opção que se encaixou na vida de Sandra também. Ela é uma daquelas alunas que não quer “parar por aqui” – pretende aprofundar seus conhecimentos com cursos adicionais de informática, istração e inglês. “Se não fosse essa modalidade, não conseguiria estudar. Trabalho atualmente como auxiliar de serviços gerais em uma academia para ajudar nas contas e ainda cuido da casa”, explica. 

Uma das dificuldades que Sandra enfrenta é a tecnologia. A estudante relata que seu computador não é o mais “adequado” para estudo, mas acredita que logo conseguirá comprar outro. Assim como a estudante de design, outros alunos enfrentam esse e outros desafios em relação ao conhecimento tecnológico, internet e até mesmo a falta de um computador.

É nesse sentido que os centros de permanência e auxílio aos alunos entram. Jamur, gestora de um desses centros, explica que o contato com os alunos transforma o olhar para a realidade. Assim, é possível auxiliar para que a taxa de evasão dos cursos EAD diminua, já que essa é uma grande preocupação: muitos alunos entram, mas poucos finalizam o curso.

“As várias certezas que a gente tem antes de conhecer a realidade dos estudantes se desfazem. É preciso adaptar o material e a comunicação para cada perfil, como no caso de estudantes mais velhos que têm dificuldades com ferramentas digitais simples. Às vezes o básico, como gerar um PDF, pode ser desafiador. O apoio específico é essencial, e entendemos que o material didático precisa ser simplificado para que todos consigam acompanhar o conteúdo até o fim”, explica.

O Censo da Educação Superior 2023 mostrou também que, naquele ano, o número de concluintes dos cursos EAD foi o maior da história, sendo de 591.294. Os indicadores são positivos, já que mostram que o número deve continuar crescendo, seguindo o que aconteceu nos anos ados.

Isto porque, segundo Jamur, o EAD tem se adaptado cada vez mais às necessidades dos alunos e dos cursos. A Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED), por exemplo, é uma das associações focadas em aprimorar ainda mais o EAD – por meio de projetos, pesquisas, congressos e mais.

Educação muda pessoas, pessoas transformam o mundo 141h65

Cíntia Andreia, de 50 anos, também encontrou no EAD um caminho para se reinventar. Paisagista e empreendedora no ramo de jardinagem, decidiu cursar Pedagogia após uma experiência pessoal.

Sua família sempre foi grande e unida, e além dos três filhos, criou três sobrinhos. Tudo mudou quando seu neto, ainda criança, foi diagnosticado com leucemia. “Foram meses de internações, restrições e um grande impacto emocional para toda a família. O isolamento, a mudança de rotina e a incerteza do futuro me deixaram sem chão”, relembra.

Durante a pandemia, ao ver histórias de pessoas que enfrentavam dificuldades para estudar por falta de o à internet, Cíntia percebeu que poderia, enfim, investir em seu próprio aprendizado. “Se tanta gente sem recursos conseguia, por que eu não poderia? O EAD me deu a flexibilidade necessária para continuar trabalhando e estar presente para minha família.”

Conciliar estudos e família é um dos grandes desafios dos estudantes, principalmente os mais velhos e, ainda mais, as mulheres. Mesmo assim, elas são maioria no ensino superior brasileiro. Mulheres representam 59,1% (5,9 milhões) das cerca de 10 milhões de matrículas nesse nível de ensino.

Além disso, como é o caso de Cíntia, a maioria das mulheres opta por cursos na área de educação. Entre os cursos mais escolhidos, a grande área da educação é a segunda maior em número de vagas, matrículas e concluintes. Nesta área, o percentual de mulheres matriculadas chega a 73,9% (1,3 milhão). Isso tudo segundo o Censo 2023 também.

Atualmente no sexto período do curso, Cíntia se sente realizada e determinada a aplicar seus conhecimentos sem abandonar o paisagismo. “Desde jovem eu gostava de contar histórias para crianças, e agora poderei fazer disso uma profissão.”

Pedras no caminho do EAD 1jv36

Até o início de março deste ano, a criação de novos cursos e polos EAD foi proibida pelo próprio MEC, a fim de revisar o marco regulatório do ensino a distância. Para profissionais da área, a medida parece, ainda, um sinal de preconceito com a modalidade.

“Regras são necessárias. A gente concorda. Mas a gente tem que tomar cuidado com essas regras para não punir ações que são muito importantes e muito bem-vindas para o Brasil, para o crescimento do Brasil, porque são ações que fazem a formação desse profissional. Há anos já, a gente faz a formação desse profissional que hoje está no mercado e está entregando resultado, a gente está em pleno crescimento”, analisa Jamur.

Mesmo com preconceitos e dificuldades, o EAD tem se mostrado a opção de muitos que nunca teriam a oportunidade de estudar de outra forma. Diva, Sandra e Cíntia são apenas algumas dessas pessoas, que estão sendo mudadas e devem transformar o mundo, parafraseando Paulo Freire.