Hérnia inguinal em crianças: entenda a origem, os sintomas e o tratamento 5d5973

Descoberta durante o banho levou Olívia, de 3 anos, a duas cirurgias para tratar hérnias inguinais 204ve

Isabelle Gesualdo
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Pequena Olívia, de 3 anos, ou por duas cirurgias após mãe identificar sinais de hérnia durante o banho. Na foto, o Hospital Pediátrico Pequeno Príncipe (Crédito: Franklin de Freitas/Bem Paraná)

Em meio à rotina corrida de uma família em mudança, um simples banho virou ponto de virada na vida de Ana Paula Miranda e de sua filha Olívia, então com apenas 3 anos. Enquanto lavava a pequena, Ana percebeu duas saliências na virilha da filha. O que parecia um detalhe acabou revelando um diagnóstico que nenhuma mãe espera: duas hérnias inguinais.

“Foi um susto. Ela sempre foi muito tranquila, nunca teve cólica ou chorava demais. Talvez já tivesse hérnia desde bebê e a gente não percebeu porque ela era muito quietinha”, lembra. 

A confirmação veio primeiro por meio de um cunhado médico, depois por exames de imagem. O diagnóstico foi rápido, mas o caminho até a cirurgia seria muito mais demorado — e frustrante. Na mesma época, a família se mudava para Morro da Fumaça, na Região Sul de Santa Catarina, onde o pai de Olívia havia conseguido um novo emprego. Já instalada no município, Ana buscou atendimento público. 

Após mais seis meses de espera, finalmente chegou a data da cirurgia. Mas o que era para ser um alívio acabou se transformando em mais dúvidas e insegurança: apesar da confirmação de que havia duas hérnias, a médica retirou apenas uma.

“Ela me disse que só encontrou uma e que a outra provavelmente não existia. Mas eu tinha o exame, tinha o vídeo… Foi muito difícil confiar”, relata Ana. Com receio de submeter Olivia a uma nova cirurgia exploratória, aceitou a conduta médica, mas com um aviso: se a hérnia reaparecesse, seria necessário outro procedimento.

E foi exatamente o que aconteceu. Poucos meses depois, a segunda hérnia voltou a aparecer. À época, o marido de Ana foi chamado para trabalhar em Curitiba, após ser aprovado em um concurso público. Já na capital paranaense, Ana retomou a busca por tratamento para a filha. E, desta vez, tudo fluiu de forma mais rápida. “Levei ela ao posto de saúde e, na mesma semana, já marcaram consulta com a doutora Karin. Em três meses ela já estava na fila pra cirurgia”, conta a mãe.

No início de maio de 2025, Olivia, agora com cinco anos, ou por uma nova operação no Hospital Pequeno Príncipe, referência em pediatria. A cirurgia foi feita no mesmo dia da internação, com alta poucas horas depois.

Saliências na virilha alertaram mãe de Olívia, de 3 anos; menina precisou de duas cirurgias para retirar as hérnias (Foto: Arquivo Pessoal)

 “Na primeira cirurgia, eu menti pra ela. Disse que era só uma pomadinha mágica, com cheiro de morango. Quando ela acordou e viu os cortes, ficou assustada, paralisada. Da segunda vez, fui sincera, expliquei tudo. Ela foi mais confiante”, conta Ana. A recuperação foi rápida e tranquila. “Ela mesma tirou os curativos com minha ajuda, caminhava sozinha, tomava banho. Foi tudo muito tranquilo.”

Hérnia inguinal em crianças: diagnóstico e cirurgia  2p316z

A médica responsável pela nova cirurgia de Olívia, Karin Schultz, tem quase 20 anos de experiência como cirurgiã pediátrica e explica que a hérnia inguinal é uma das condições cirúrgicas mais comuns na infância. 

“Uma hérnia é quando um órgão que deveria estar dentro de uma cavidade encontra um buraquinho e sai do lugar”, resume. No caso da hérnia inguinal, esse “buraquinho” está na parede abdominal, geralmente na região da virilha. É mais comum em meninos, mas também pode aparecer em meninas.

A origem da hérnia inguinal em crianças está ligada ao desenvolvimento embrionário. Durante a gestação, meninos e meninas desenvolvem um canal na região inguinal. Nos meninos, ele serve para a descida dos testículos. Esse canal deveria se fechar após o nascimento. Se permanece aberto, pode criar um caminho por onde o intestino ou gordura abdominal escapa, formando a hérnia. “Como as meninas não têm testículo, o canal tende a fechar antes. Por isso, a hérnia é menos comum nelas, mas ainda assim acontece”, explica Karin.

A incidência de hérnia inguinal em crianças é de 1 a 4% na população geral, mas chega a até 30% em bebês prematuros. O principal sinal costuma ser o surgimento de uma “bolinha” na virilha quando a criança faz força — chora, tosse ou evacua. Mesmo que indolor, o problema deve ser tratado cirurgicamente para evitar complicações, como o estrangulamento do intestino. Nos adultos, a hérnia costuma ser adquirida ao longo do tempo, causada por fraqueza muscular, esforço físico excessivo, obesidade, cirurgias anteriores ou envelhecimento.

Entre as hérnias mais comuns na infância estão a umbilical, inguinal e epigástrica, cada uma com características próprias e causas distintas. A umbilical acontece quando o fechamento natural do umbigo não ocorre completamente, formando uma pequena protuberância que, na maioria das vezes, desaparece com o tempo. 

Já a epigástrica trata-se de uma falha na formação da musculatura abdominal, que deixa uma área enfraquecida acima do umbigo. Essa condição é mais frequente em bebês prematuros ou com baixo peso e costuma se manifestar como um abaulamento visível quando a criança faz força. Ao contrário da hérnia umbilical, a epigástrica não regride sozinha e precisa de cirurgia para correção.

Procedimento cirúrgico  5y3o56

A técnica mais comum de correção da hérnia inguinal é a cirurgia aberta, com pequena incisão na virilha. O procedimento é feito com bloqueio anestésico guiado por ultrassom, o que reduz a dor no pós-operatório. A criança recebe alta no mesmo dia e, em uma semana, já pode retornar à escola. As atividades físicas mais intensas são liberadas após cerca de um mês. 

Em alguns casos, como em hérnias bilaterais ou com indicação médica específica, utiliza-se a laparoscopia, uma técnica minimamente invasiva, feita com pequenas incisões. Ela permite a visualização dos dois lados da virilha, mas ainda não é o padrão no Sistema Único de Saúde (SUS). Em adultos, a cirurgia de hérnia costuma incluir o uso de tela de polipropileno para reforçar a parede abdominal, evitando que ela volte. Pode ser realizada por via aberta ou laparoscópica.

Paraná lidera casos na Região Sul   15185g

Em 2024, o SUS registrou 349.968 cirurgias de hérnias abdominais, segundo o levantamento da Sociedade Brasileira de Hérnia (SBH). Dessas, 20.535 foram de hérnia inguinal. Na Região Sul, o número de cirurgias para correção de hérnias abdominais tem sido expressivo nos últimos anos, com destaque para o Paraná, que lidera em volume de procedimentos. Somando os dados de 2023 e 2024, o estado realizou 42.010 cirurgias, sendo 20.535 apenas para hérnia inguinal. 

Em Santa Catarina, foram 32.030 procedimentos no mesmo período, com 16.721 cirurgias de hérnia inguinal. Já no Rio Grande do Sul, o total chegou a 35.934 intervenções, sendo 19.991 do tipo inguinal. Em toda a região, as cirurgias eletivas representaram a maioria dos atendimentos (37.854), enquanto 4.155 foram realizadas em caráter de urgência (9,8%). As técnicas videolaparoscópicas, mais modernas e menos invasivas, ainda são pouco utilizadas, correspondendo a apenas 0,7% dos casos no Paraná, um total de 323 procedimentos.  

No Hospital Pequeno Príncipe, referência nacional em pediatria e filantropia, o cuidado com esse tipo de procedimento também é constante: apenas no primeiro semestre de 2025, foram realizadas 174 cirurgias de hérnia, das quais 118 pelo SUS. 

Em 2024, o hospital realizou um total de 509 cirurgias de hérnia (281 pelo SUS), enquanto em 2023 foram 541 procedimentos, sendo 327 deles por meio do sistema público.