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Carnaval. Pra alguns, sinônimo de multidão, suor e samba. Pra outros, o pretexto perfeito para fugir da bagunça, esconder-se no mato, ouvir o silêncio e fingir que o calendário parou. Duas formas distintas de gastar o tempo e, no fundo, ambas servindo ao mesmo propósito: não fazer nada.

Atire a primeira pedra quem a a ideia de produtividade em tempo integral. O mundo nos empurra a otimizar cada segundo, mas sempre me pergunto: quando foi que relaxar virou pecado? Há quem se orgulhe de não ter tempo livre, como se isso fosse uma medalha de honra e não um sintoma de exaustão coletiva.

Domingo virou dia de planejar a segunda, férias se tornaram janelas para cursos on-line e o ócio, coitado, virou pauta de palestra motivacional.

E, ainda, apareceu a tal da inteligência artificial, nova figurante da vida produtiva. Parceira da eficiência, pronta pra salvar o mundo do desperdício de tempo. Consegue responder e-mails com clareza e objetividade, organizar roteiros, fazer planejamentos, sugerir itinerários e até dar conselhos amorosos.

É aí que está a ironia: mesmo com tantos recursos, nunca estivemos tão sobrecarregados. Com a tecnologia fazendo boa parte das tarefas cotidianas, parece até um abuso usar as horas livres pra não fazer nada. Desperdiçar tempo virou crime inafiançável, cuja pena é ser considerado preguiçoso, folgado e pouco produtivo.

Numa sociedade industrializada e altamente competitiva, se você for ousado o suficiente pra encarar esses rótulos, corre o risco de ser mal compreendido. Ou de ter que encarar alguém oferecendo aplicativos que vão te lembrar que você poderia estar aprendendo mandarim ou praticando mindfulness. Trabalhe enquanto eles dormem, torne-se escravo da necessidade de ser eternamente útil.

Enquanto isso, o Carnaval a desfilando seu atrevimento, exigindo espaço pro folião que decidiu viver, pular, mostrar o samba no pé ou a inexistência dele. Há aqueles que preferem se jogar na avenida, outros se esconder numa casinha branca de sapê ao pé da montanha. Os dois estão certos e têm o meu apoio.

O ócio pode ser barulhento ou silencioso, regado a marchinhas ou ao som do vento, desde que sirva pra desconectar do ritmo frenético de todo o resto do ano.

A vida que vale à pena não se mede pela produtividade. Mede-se pelos momentos em que, sem fazer nada, tudo fez sentido. Talvez seja hora de aprendermos com o Carnaval: ninguém questiona um folião exausto às quatro da manhã, com purpurina até na alma, dançando como se não houvesse Quarta-Feira de Cinzas. Por que, então, nos sentimos culpados ao ar um dia inteiro lendo um livro, ouvindo música ou olhando pro nada?

“Não deixe o samba morrer, não deixe o samba acabar.” Porém, se preferir, ande devagar, componha sua própria história, porque “cada ser em si carrega o dom de ser capaz e ser feliz.”

É você quem dita o ritmo, dos dias comuns e dos incomuns. Seja ele embalado num partido alto, num forró pé de serra ou em puro rock’n’roll. No fundo, acho que o calendário deveria trazer mais dias de Carnaval. A folia – ou ausência dela – também deveria deixar na gaveta as planilhas, os relatórios e as metas inalcançáveis. É fundamental “viver e não ter a vergonha de ser feliz”, porque “a vida é a batida de um coração, é uma doce ilusão”, como eternizou Gonzaguinha.

Danielle Blaskievicz é jornalista, empresária, sem samba no pé, mas apaixonada pela alegria do Carnaval.