
Oficialmente, foi dada a largada pras temperaturas amenas, pros dias que despertam mais tarde e permitem um pouquinho de preguiça sem culpa. Outono é aquela estação discreta – não chega chegando, não faz alarde, não manda áudio de três minutos avisando que está na área. Só aparece. Como quem não quer nada, vai esfriando as pontas dos dedos, soprando na nuca e, sutilmente, convencendo as árvores a largarem o osso. Ou melhor, as folhas. Tudo sem drama.
Mas o outono pode ir muito além do calendário. E nem por isso precisa ser triste. É um processo interno de desapego. A alma pede uma meia de lã, um cobertor que abrace sem julgamento e, se possível, um botão de “pausar tudo por tempo indeterminado”. Um ório que deveria vir de fábrica. Porque viver em eterno florescimento é exaustivo. Tente aí manter a pose com flor na cabeça e sorriso no rosto enquanto lava louça, paga boleto e responde e-mail com gentileza.
O outono tem aquela cara serena de terapeuta que cobra caro, mas acerta no diagnóstico. Ele chega pra lembrar que cair não é fracasso – é estratégia. E quem já viveu o suficiente sabe que tem hora certa pra tudo, inclusive pra dar uma desfolhada na vida.
A gente se apega. Aos empregos que viraram enfeite de currículo, às amizades que só existem ainda na agenda telefônica e àquele ex que você insiste em guardar na geladeira emocional, achando que um dia pode descongelar e virar algo aproveitável. Spoiler: não vira! O outono chega como a Marie Kondo da alma: avalia o que ainda traz alegria e manda embora o resto.
Ao contrário das dietas de janeiro e das promessas de réveillon, o outono não exige esforço. Ele vai convencendo pelo exemplo. As árvores largam tudo com uma elegância que daria inveja até a quem termina relacionamento sem stalkear depois. Nada de gritaria, nada de barraco. Permanecem plenas, ainda que peladas.
Outono não quer ser o ápice de nada. Não tem a afobação hormonal da primavera, nem a intensidade suada do verão. É o meio-termo necessário, o gole de água no meio da maratona, o cochilo pós-feijoada. É quando a vida pede uma pausa estratégica pra não deixar você surtar.
Pra quem anda meio caindo, meio sem folhas, meio cansado de equilibrar o mundo com uma mão e a própria sanidade com a outra, talvez não seja crise, nem azar, nem Mercúrio retrógrado. Talvez só seja outono aí dentro. Um tempo de recolher, de reavaliar, de limpar o armário emocional e decidir com mais carinho o que merece continuar.
Porque, na prática, ninguém renasce sem antes dar uma boa despencada. E se for pra cair, que seja com charme, como folha seca dançando no vento.
*Danielle Blaskievicz é jornalista, empresária e acha que a vida podia ter mais outonos e menos cobranças por florescimento o ano inteiro.