O casamento, a união de duas pessoas para “toda a vida”, foi na maior parte da História uma instituição prioritariamente utilitária. Entre aristocratas e ricos sedimentava acordos econômicos, políticos ou militares; o povo tinha no casamento um recurso importante para a sobrevivência em um mundo hostil e carente de recursos, é um pouco mais fácil viver quando se divide os poucos recursos, plantar, colher, caçar, cuidar da criação e dos filhos, fazer filhos estando entre as tarefas mais agradáveis embora representando risco altíssimo à vida e saúde das mulheres.
Dessa realidade emergiram relações de amizade, companheirismo e até amor, mas nem sempre,
Henrique VIII não estava provavelmente apaixonado por Ana Bolena quando rompeu seus votos com Catarina de Aragão, tampouco pelas suas outras quatro mulheres, buscava mulher que lhe pudesse dar um herdeiro que garantisse a continuidade de sua família no trono; Abelardo e Heloisa desafiaram a Igreja medieval mais por motivos filosóficos do que por amor; Romeu e Julieta é apenas uma fantasia adolescente que acabou mal. Entre os camponeses, quando a duríssima luta pela vida permitia, devem ter havido algumas relações afetivas bem sucedidas.
De todo modo, as escolhas de “noivos”, ou noivas melhor dizendo pois quem tinha voto nestes pleitos eram majoritariamente os homens, eram feitas de modo quase impessoal, dotes em ouro, armas ou relações políticas entre os nobres, e até mesmo vizinhança ou proximidade de “tribo” entre os plebeus.
A Bíblia hebraica traz o Cântico dos Cânticos, atribuído a Salomão, talvez a primeira poesia romântica do Ocidente, mas possivelmente foi em torno dos anos 1100 que o amor romântico ganhou corações e mentes de modo definitivo, quando menestréis e trovadores açucaravam os namoros, gerando nos jovens “casadoiros” expectativas sobre o que poderiam esperar do casamento do ponto de vista de afeto. Daí, até nossos dias, a literatura, a música e o teatro potencializam essa cultura, e o casamento mudou radicalmente pelo menos de esperança.
A impossibilidade de entendimento completo entre pessoas, na verdade o grande motivador para a existência de diálogo, pois jamais precisaríamos conversar ou conviver com aqueles que fossem nosso exato espelho, coloca a figura do outro numa relação em que a percepção de compartilhamento e incongruência gera tensão e conflitos, os quais por sua vez geram mudanças.
Ultraar essas fronteiras, usar de contra argumentação, mostra exatamente como nos encontramos quanto ao conhecimento do outro, o quanto respeitamos as posições relativas que são assimétricas entre nós naquele momento, e nos desafia a transpor esta barreira.
Por isso, um ditado popular enfatiza a importância de apenas casar ou ar a morar com uma pessoa “com a qual já tenhamos comido um quilo de sal”, ou seja, que conhecemos razoavelmente ou pelo menos tenhamos já ado um bom tempo.
Saber nossas formas de reagir quando contrariados, nossa possibilidade de uma comunicação não violenta, principalmente quando o outro demonstra ser mais conhecedor do assunto, derrubando nossos argumentos e nos colocando numa posição, a qual vista de fora, seria inferior àquela do vencedor.
É principalmente nestas horas em que o profundo conhecimento do outro, e de nós mesmos em relação a ele, que faz a grande diferença, pois é a essência do que consideramos amizade.
Dentro das múltiplas inteligências que possuímos, a aptidão emocional determina até onde podemos usar bem outras aptidões, inclusive a do intelecto bruto, criando motivações e persistindo no objetivo, apesar das contrariedades, de controlar impulsos destrutivos.
A capacidade de relação com os demais envolve o racional e o emocional, compreensão de si mesmo, autogerenciamento e entendimento das outras pessoas.
Isso não é rápido de conseguir, maturidade e tempo de convivência contam muito, melhoram até o processo de ensino-aprendizagem em sala de aula. Adaptar-se à forma de falar e reagir dos demais sempre trará qualidade aos relacionamentos, sejam eles familiares ou escolares.
Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.