Errare humanum est, perseverare autem diabolicum. Errar é humano, perseverar no erro é diabólico.
O início do provérbio, atribuído a Santo Agostinho, é muito citado como tentativa de justificar erros cometidos, o que é razoável tendo em vista a condição imperfeita, sujeita a erros, da humanidade. Infelizmente não se presta a mesma atenção ao final da frase, em que é considerado que o erro deve ser sanado, ou pelo menos não continuado.
A Neurociência (ciência que estuda o cérebro) mostra em muitas experiências que aprender é possível porque o cérebro é plástico, ou seja, tem a capacidade de reorganizar a sua própria estrutura, o que torna possíveis alterações de função e comportamento.
Durante o aprendizado de qualquer ser humano – e muitos animais também – é inevitável cometer erros, mas o cérebro parece ter uma incrível capacidade de aprender e de perceber erros quase que instantaneamente, num efeito denominado negatividade, que é detectado em exames laboratoriais com toucas especiais e eletrodos.
Além dessa capacidade imediata de perceber os próprios erros, parecemos ter também uma inata capacidade de aprender com os erros alheios, pois prestar atenção em resultados obtidos por outras pessoas tem se demonstrado como boa maneira de minimizar o sofrimento pessoal.
Esses erros, de qualquer tipo, desde formas incorretas de lidar com problemas matemáticos até a percepção de climas ruins em determinados ambientes, pessoas a serem evitadas, observar atentamente os acontecimentos próximos encurta caminho para sermos mais sábios e evitar dissabores.
No entanto, a forma mais agradável de apreender conhecimento parece ser lendo livros, muitos e de vários assuntos, conversar com pessoas interessantes que nos fazem crescer e ampliam nossa percepção sobre o mundo.
Mas talvez a forma mais eficaz seja nos disciplinando interiormente, treinando o encontro do prazer nas tarefas que custam esforço, como realizar atividades físicas regularmente, estudar certos assuntos com profundidade, dedicação a algumas atividades para benefício dos demais, principalmente com populações vulneráveis, como crianças, idosos ou animais em situações de risco.
Esta disciplina implica em certo adiamento de recompensas — pelas quais somos ávidos, como qualquer ser senciente. Recém-nascidos querem o leite das mães, e querem agora, não depois; crianças querem o amor de seus familiares, esportistas querem ganhar o jogo, competidores querem medalhas, e estes talvez sejam o grande desafio da persistência e da disciplina. Nem tudo pode receber recompensa imediata.
Assim, conseguir criar recompensas para cada etapa conquistada, mesmo que pequena e aparentemente invisível aos demais, fragmenta a espera pelo resultado maior que necessita um mais longo prazo e pode tornar os atos necessários menos sacrificados, como quando fazemos uma dieta e assumimos metas semanais, em lugar da meta final apenas, dado que a motivação dos realmente vendedores na luta contra o peso diminui menos ao nos alegrarmos no menor intervalo de tempo. Olhar apenas resultados finais provoca miopia para os resultados de curto prazo e isso limita a visão sobre os pequenos sucessos que trazem o desfecho desejado.
Isso, evidentemente, requer tempo e esforço, da mesma forma que obter um diploma num curso muito sonhado requer investimento diário, prestar atenção nos professores, realizar exercícios sobre o já aprendido, assumir bons exemplos.
Não perseverar num erro constatado exige maturidade e humildade, também algum oportunismo, pois a correção reduz prejuízos e contratempos. Mas com bastante frequência o que ocorre é a negação, mesmo em vista das provas mais cabais, das consequências mais deletérias, pessoas de todas as condições culturais e intelectuais, em todas as posições sociais e profissionais, apegam-se a versões esdrúxulas que negam o óbvio. O que poderia ser até compreensível, embora não justificável, em uma investigação criminal onde o réu nega sua culpa e seus atos contra todas as evidências, ou num julgamento político em que as provas de desvio de dinheiro público são apenas “perseguições” de inimigos, e tantos outros descalabros que assistimos diariamente em noticiários.
Entretanto criou-se o hábito social de negar qualquer fato ou evidência que contrarie o que é pretendido, como se fatos não existissem, fossem apenas uma versão da realidade, à qual outra é contraposta.
Negando o evidente, não corrigimos erros nem aprendemos com erros alheios, o que retarda o desenvolvimento pleno do processo cognitivo, limitando a capacidade de aprendizado. Para escolas, um desastre do qual estudantes estão aprendendo a não abrir mão.
Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.