Quem lê Contos de Fadas nas versões em que foram escritos originalmente fica chocado com o nível de violência, crueldade, torturas, envenenamentos.

Principalmente Perraut e os Irmãos Grimm têm destaque nessa matéria, crianças abandonadas para morrer de fome, “bruxas” queimadas vivas, roubo descarado da propriedade de “gigantes” após assassiná-los, parece que tudo se justifica por uma moral em que a “justiça” triunfa pela insídia e malícia. Pinóquio, o simpático boneco de madeira do desenho animado da Disney, é cínico e desonesto no livro original de Carlo Collodi.

A Arte é, ou deve ser, o reflexo da sociedade e de seu tempo; nesse princípio a crueza da literatura que foi assumida como infantil é compreensível: o mundo e a sociedade foram imensamente cruéis em todos os tempos na busca por “diversão“ popular, desde as arenas romanas com pessoas sendo estraçalhadas por feras, as torturas públicas a que eram submetidos os condenados antes de serem mortos, os rituais de “purificação” pelas fogueiras da Inquisição.

Contos infantis e fábulas têm um viés pedagógico, quase sempre mostram os castigos a que estão sujeitos os não conformistas com a ordem vigente, com as orientações dos mais velhos ou religiosos, e esse castigos são coerentes com seu tempo e espaço.

Mitos, espécie de “contos de fada” anteriores a este nome, gregos e romanos principalmente, moldaram a nossa civilização ocidental, e num deles o maior de todos os deuses gera a deusa da sabedoria, Palas Atena, ao ter sua cabeça aberta a martelo para resolver uma grande dor de cabeça.

Mas esta história, Atena saindo da cabeça de Zeus é uma alegoria imperfeita, pois a sabedoria não irrompe integralmente desenvolvida em nossas cabeças, ela vai sendo construída em pequenos acréscimos desde nossa mais remota juventude, nosso início irracional.

Compreender o significado da vida não é adquirido numa certa idade, mesmo que esta seja de maturidade etária, ao contrário, esta sabedoria é que determina a maturidade psicológica.

Trata-se de um longo desenvolvimento, aos poucos vamos edificando uma relativa compreensão, de tal forma que na idade adulta, com a soma de experiências, desenganos, alegrias, boas ou más ações, podemos obter uma compreensão razoável da existência.

Por isso pessoas que trabalham com crianças precisam ter clareza de que suas mentes não funcionam com uma visão clara sobre todos os acontecimentos do mundo, pois a consciência evolui mais lentamente que seus corpos e mentes.

O mais difícil na educação das crianças é ajudá-las a encontrar significados para suas vidas, experiências são indispensáveis para isso, entendimento de si mesmas para depois entender os demais, relacionar-se de forma mutuamente satisfatória, deixar de lado pensamentos autocentrados e agir de forma a conseguir efetuar uma contribuição para os demais, por menor que seja, talvez não agora, porém pelo menos em algum momento futuro, não é simples.

Pais e professores tem os maiores impactos nesta tarefa, mas não se pode desprezar a herança cultural, a forma como toda uma comunidade transmite seus valores e habilidades de comportamentos. Afinal, até a própria leitura é desvalorizada quando o que se aprendeu a ler não acrescenta nada de importante à nossa vida; a escolha cuidadosa das leituras infantis é particularmente cuidada nas escolas, para controle das ansiedades sobre o futuro, para entendimento das noções de bem e mal, para mostrar atitudes benéficas ou maléficas.

Para que a leitura – e atualmente as artes visuais, como filmes, longos ou curtos – prenda a atenção da criança, além de entreter deve despertar sua curiosidade, estimular a imaginação, desenvolver o intelecto ao mesmo tempo que esclarece suas emoções.

Situações que correspondam aos seus medos e aspirações de reconhecimento, formas de reconhecer dificuldades e obter soluções para suas dúvidas perturbadoras, sempre foram tratadas por meio dos contos de fadas, os quais, desde a mais remota antiguidade, tem auxiliado crianças que em cada momento de vida, dentro da sociedade em que vive, a enfrentar momentos desconcertantes.

Dos contos de fadas vem a ajuda para que dar algum sentido coerente à imensidão dos sentimentos, contrabalançando fatos que acontecem com todos com o heroísmo individual,  representando uma educação moral sutil e implícita que conduza ao comportamento moral, não por meio de “lições abstratas de moral”, mas pela fábula do tangivelmente correto, que ensina ao mesmo tempo que mostra o significativo.

O conto de fadas muitas vezes sobrepuja as lições intencionais, e não por acaso nos séculos de nossa civilização foram recontados, refinados, transmitindo ao mesmo tempo significados manifestos e encobertos e atingindo jovens e adultos. São mensagens que apresentam os problemas humanos universais, que preocupam a todos, particularmente ao início da vida, mas que são capazes de aliviar as pressões com que nos defrontamos ao longo da existência.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.