Ensino brasileiro e leitura 5m4k1l

Wanda Camargo | assessoria@unibrasil.com.br

Mesmo que nunca tenhamos sido um país em que a população fosse fortemente adepta da leitura, tanto nossa taxa de analfabetismo total quanto funcional sempre foram altas, há cerca de quarenta anos era comum encontrar pessoas lendo em público, nos ônibus, nas praças, e em todos os lugares razoavelmente confortáveis para essa atividade; liam-se jornais, livros, revistas, a “mídia em papel”, e algo mudou. O o à informação, mesmo que sobre artistas, acidente e fatos do dia-a-dia era predominantemente feitos pela mídia escrita, e esta, quase sempre, de melhor qualidade; hoje isso não mais acontece.

Até as simpáticas e úteis bancas de jornal diversificaram as atividades, ando a vender prioritariamente outros artigos como forma de sobreviver à menor procura pela sua mercadoria original. As livrarias, desde sempre ponto de encontro de intelectuais, estudantes e pessoas interessadas em leitura, ampliaram suas atividades, e algumas lamentavelmente fecharam ou mudaram de ramo, as que sobrevivem carregam heroicamente a tocha, ameaçada pelos colossos da venda online ou a propagação das redes digitais, com suas informações veiculadas durante o dia todo e sempre ao alcance de celulares, embora nem todas verídicas ou escritas em forma razoável.

O hábito de ler possivelmente não diminuiu, apenas mudou do papel para os tablets, celulares e computadores, e não acompanhou o crescimento populacional. O padrão da qualidade dos que leem continua praticamente o mesmo e depende do gosto e da escolha: política, esportes, “celebridades”, ciência, romances, fofocas e até clássicos da cultura universal.  

A leitura é responsável por contribuir significativamente para com a formação de crianças e jovens, e mantem-se importante ao longo de toda a vida.

É ela que capacita analisar a sociedade, que amplia a visão do mundo, o domínio da linguagem, que repercute em todas as áreas do conhecimento, permite a compreensão dos demais e de toda a comunidade. Forma conceitos próprios, desenvolve a cognição, colabora na formação do juízo crítico, no o à informação, e permite uma melhor capacidade de expressão e enriquecimento cultural.

No Brasil a escola básica não tem se mostrado capaz de dotar os cidadãos das competências essenciais à sua integração social, nem de oferecer o imprescindível para os complexos desafios com que frequentemente são confrontados.

Uma sociedade que pouco valoriza a leitura, acreditando-a desnecessária, aborrecida e que existe apenas para relatar alguns poucos livros lidos – aqueles que os professores exigem – para “ar de ano”, com certeza não formará uma população apta a responder aos desafios da vida atual.

O último Estudo Internacional de Progresso em Leitura, realizado no Brasil e em outros 65 países mostra que estudantes com menor nível socioeconômico têm pior desempenho em leitura, com nível de aprendizado considerado muito abaixo do indispensável.  O realmente ruim é que “enquanto 83,9% dos alunos do 4º ano do ensino fundamental com renda mais alta têm o a um aprendizado adequado em leitura, apenas 26,1% estudantes mais pobres alcançam esse aprendizado”.

É o maior desnível entre os países participantes da avaliação, mostrando que as desigualdades do país influenciam inclusive na capacidade de ler corretamente, ou seja, a condição socioeconômica é decisiva na perspectiva de um futuro melhor para os jovens, pois sem as habilidades básicas de leitura, não são capazes e entender instruções ou adquirir autonomia.

Isso altera um pouco a percepção anterior, de que apenas a cor da pele teria influência na questão da aprendizagem, pois apesar da exclusão perversa e histórica que a escravidão instaurou no país, os alunos vulneráveis, os desfavorecidos, têm sua aprendizagem prejudicada, em qualquer cor de pele.

Sem boa leitura, sem desenvolver habilidade na língua portuguesa, o estudante não compreende as ciências sociais, as ciências naturais, não consegue ter uma profissão adequada e inserir-se na sociedade.

Outro fator interessante demonstrado pela pesquisa foi a diferença de proficiência em leitura entre os gêneros masculino e feminino, alunos do sexo masculino apresentaram pior desempenho, bem inferior ao das alunas, e nas faixas de desempenho mais alto, é maior a proporção entre as meninas, já que entre eles apenas 9,7% tiveram bons resultados, e entre elas 12,7%.

Também foi significativo que entre crianças com o frequente a atividades envolvendo leituras: contação de histórias, teatrinho, filmes e outras formas anteriores à idade escolar, quase metade teve excelentes resultados, e aqueles para quem isso não foi frequente beiravam a um terço.

O fato de pais ou tutores terem o hábito de ler também influencia a habilidade de leitura das crianças. Quando pais não tem o hábito de ler, o percentual de aprendizado adequado em leitura foi bem menor que entre os filhos de pais que gostam muito de ler.

Assim, o país ter mais políticas voltadas para a redução de desigualdades e melhorar a qualidade do ensino e da cidadania, é condição indispensável; são necessários mais recursos para regiões mais desfavorecidas economicamente, e investir na qualificação de professores, ao mesmo tempo que estimulam toda a população às atividades culturais.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.